A 4ª Promotoria de Justiça de Picos apresentou recurso à Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, contra decisão que revogou a prisão preventiva de réu acusado de estupro de vulnerável perpetrado contra suas duas filhas. O crime teria ocorrido em abril de 2003. Em 2006, a denúncia foi recebida pela Poder Judiciário, que decretou a prisão preventiva do réu.

Este, no entanto, fugiu da cidade, impedindo o cumprimento do mandado, apesar dos esforços. O paradeiro do réu permaneceu desconhecido até julho de 2019, quando ele foi preso no estado de Pernambuco sob a acusação de estelionato. O processo em Picos estava suspenso aguardando apenas a localização do réu.

Em janeiro de 2020, o acusado recebeu alvará de soltura referente ao delito praticado em Pernambuco, mas permaneceu preso por força do mandado do Piauí.

Em fevereiro, o juiz auxiliar da 4ª Vara de Picos, Fabrício Paulo Cysne de Novaes, atendendo a pedido do Ministério Público, manteve a prisão preventiva. Considerou o comportamento do acusado, que havia fugido do local do crime e se esquivado da Justiça por mais de 13 anos, além da gravidade dos crimes.

Porém, dez dias depois, no final de março, o mesmo magistrado, de ofício, em decisão que identificou como coletiva, revogou sua própria decisão anterior e colocou o réu em liberdade, com base na Recomendação nº 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça, que trata das medidas de prevenção ao contágio pelo novo coronavírus nos sistemas de justiça penal e socioeducativo.

Acusado de Estupro Prisão Revogada

O juiz decidiu a situação de vários presos provisórios, entre eles a do réu em questão, acusado de estupro contra suas filhas. O magistrado declarou que o réu ainda não havia sido transferido de Pernambuco para Picos, e que não havia previsão para tal, diante das condições geradas pela disseminação da covid-19, o que tornava desnecessária a manutenção da prisão cautelar.

“A pandemia não pode ser interpretada como um passe livre para liberação de presos, sob pena de grave violação ao direito da coletividade em ter paz social e segurança pública, que não se desvinculam da ideia de que o sistema de justiça penal há de ser efetivo, de modo a não desproteger a sociedade contra os ataques mais graves aos bens juridicamente tutelados na norma penal”, frisa o promotor de Justiça Gerson Gomes Pereira, autor do recurso contra a revogação da prisão preventiva.

O representante do Ministério Público destaca ainda que não há informações de que o réu pertença a grupo de risco, e que o transcorrer do tempo também não justifica a soltura. Registra que o acusado ficou preso cautelarmente por sete meses pelo crime de estelionato. “Paradoxalmente, pela acusação de duplo estupro de vulnerável contra suas próprias filhas, depois de ter impedido a instrução por 14 anos, quando é finalmente capturado, o juiz decide soltá-lo por excesso de prazo de pouco mais de dois meses”, pontua o promotor de Justiça.

Quanto ao longo tempo decorrido desde o registro do crime, o promotor de Justiça lembra que o próprio réu, e não o sistema de Justiça, foi o responsável, por ter fugido e dificultado as diligências, inclusive fornecendo endereços residencial e comercial em que não pôde ser encontrado.

No recurso, Gerson Gomes argumenta que, na impossibilidade de transferência do preso, é possível a realização de audiência por videoconferência, de acordo com portaria da Corregedoria-Geral de Justiça e do próprio Código de Processo Penal. “O acusado não pode ser beneficiado por atraso processual ou dificuldade de realização de atos processuais, se ele mesmo foi o causador de tudo ao deixar o distrito da culpa para fugir pelo país vagando por mais de 14 anos e praticando novos crimes, em absoluto desrespeito às medidas cautelares”, complementa o promotor de Justiça. “Em vez de soltar o preso com base em não recambiamento ou descumprimento de carta precatória, a medida acertada e legal era e é realizar o interrogatório por videoconferência.”

Recomendação nº 62/2020

O Ministério Público ressalta que a manutenção da prisão preventiva é necessária para garantir a continuidade do processo penal, em prol da proteção efetiva da ordem pública, da sociedade e das vítimas.

Gerson Gomes conclui que “o caso se assemelha ao decidido no último dia 21 de abril de 2020, que abalou a imagem do Poder Judiciário e do Sistema Penitenciário e de Segurança Pública do País. Na oportunidade, o líder do Primeiro Comando da Capital (PCC) no Estado do Paraná, Valcir de Alencar, condenado a 76 anos por tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e porte de armas, recebeu o benefício da prisão domiciliar. Poucas horas depois, quebrou a tornozeleira e desapareceu”, exemplifica.

Para o promotor de Justiça, o juiz não revogou a prisão por fato conexo ao Coronavírus.”A Recomendação nº 62/2020, do CNJ, foi usada simplesmente para revisar a decisão que havia proferido somente dez dias antes. Esse é o ponto que necessita ser enfrentado. A nova decisão revisionadora delimita o novo marco revisional da prisão provisória, devendo, nos termos do artigo 316, ser novamente visitada quando alcançar o prazo de 90 dias.

O magistrado não demostrou a falta de motivo para que a prisão não mais continuasse, como fez ao manter a prisão e depois renovar o decreto prisional, porque sobrevieram razões justificadoras (CPP, art. 316)”, destaca, no recurso interposto.