CRIME DE APLICAÇÃO DE AGROTÓXICO EM DESACORDO COM A LEI

A prática deste delito está prevista nos artigos 14, alínea b, c/c art. 15, da Lei nº 7.802/89, que assim dispõe:

“Art. 14. As responsabilidades administrativa, civil e penal pelos danos causados à saúde das pessoas e ao meio ambiente, quando a produção, comercialização, utilização, transporte e destinação de embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, não cumprirem o disposto na legislação pertinente, cabem: (Redação dada pela Lei nº 9.974, de 2000)

a) ao profissional, quando comprovada receita errada, displicente ou indevida;

b) ao usuário ou ao prestador de serviços, quando proceder em desacordo com o receituário ou as recomendações do fabricante e órgãos registrantes e sanitário-ambientais; (Redação dada pela Lei nº 9.974, de 2000)

c) ao comerciante, quando efetuar venda sem o respectivo receituário ou em desacordo com a receita ou recomendações do fabricante e órgãos registrantes e sanitário-ambientais; (Redação dada pela Lei nº 9.974, de 2000)

d) ao registrante que, por dolo ou por culpa, omitir informações ou fornecer informações incorretas;

e) ao produtor, quando produzir mercadorias em desacordo com as especificações constantes do registro do produto, do rótulo, da bula, do folheto e da propaganda, ou não der destinação às embalagens vazias em conformidade com a legislação pertinente; (Redação dada pela Lei nº 9.974, de 2000)

f) ao empregador, quando não fornecer e não fizer manutenção dos equipamentos adequados à proteção da saúde dos trabalhadores ou dos equipamentos na produção, distribuição e aplicação dos produtos.(…)

Art. 15. Aquele que produzir, comercializar, transportar, aplicar, prestar serviço, der destinação a resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, em descumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente estará sujeito à pena de reclusão, de dois a quatro anos, além de multa. (Redação dada pela Lei nº 9.974, de 2000)”-g.n.

Este tipo de acusação é muito comum em área rural, onde o produtor se utiliza de agrotóxicos pela via aérea ou terrestre para conter a infestação de pragas.

A falta de receituário pelo engenheiro agrônomo, quantidade excessiva de uso do produto, uso de agrotóxicos proibidos, excesso de pulverização ou diversa da prescrita com riscos ao meio ambiente, serviços utilizados por empresas ilegais, em fim são várias as situações que podem decorrer uma acusação criminal pelo uso de agrotóxicos.

No entanto, é absolutamente certo que o produtor rural normalmente tem total consciência de sua licitude para gerir seu hectare, fazenda, chácara, etc, com total responsabilidade porquê de antemão sabe que se incorrer em negligência certamente não só poderá sofrer um prejuízo imenso com a perda da safra, mas também sabe que se agir fora dos preceitos legais pode vir a sofrer interdições, multas administrativas, indenizações civis e penais por eventuais danos causados ao meio ambiente ou a coletividade humana como um todo.

Logo embora seja comum as acusações criminais desta natureza, uma boa defesa criminal por um especialista da área certamente não irá prosperar.

Isso porque o Ministério da Agricultura emitiu a orientação técnica CGA nº 01/2011, determinando o seguinte:

“4.4. O fiscal deve autuar a empresa aérea por ‘Aplicar agrotóxicos com aeronave em desacordo com as recomendações constantes na receita agronômica’4.5. O fiscal deve autuar além da empresa aérea, a empresa ou pessoa física que contratou a empresa prestadora de serviços por: ‘uso de agrotóxico em desacordo com a receita agronômica (…)”

Por sua vez, sobre o elemento subjetivo geral do tipo – dolo – leciona Cezar Roberto Bitencourt (Tratado de direito penal: parte geral 1 – 24. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. P. 521/522):


“Dolo é a consciência e a vontade de realização da conduta descrita em um tipo penal, ou, na expressão de Welzel, ‘dolo, em sentido técnico penal, é somente a vontade de ação orientada à realização do tipo de um delito’. O dolo, puramente natural, constitui o elemento central do injusto pessoal da ação, representado pela vontade consciente de ação dirigida imediatamente contra o mandamento normativo. Embora a Reforma Penal de 1984 tenha afastado a intensidade do dolo da condição de circunstância judicial de medição da pena, não se pode negar, contudo, que uma ação praticada com dolo intenso será muito mais desvaliosa que outra realizada com dolo normal ou de menor intensidade, como, p. ex., com dolo eventual, a despeito de o legislador ter equiparado as duas espécies de dolo (direto e eventual).

Com efeito, pela definição do nosso Código Penal, o crime é considerado doloso ‘quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo’ (art. 18, I). Essa previsão legal equipara dolo direto e dolo eventual, o que não impede, contudo, que o aplicador da lei considere sua distinção ao fazer a dosimetria da pena.

O dolo, enfim, elemento essencial da ação final, compõe o tipo subjetivo. Pela sua definição, constata-se que o dolo é constituído por dois elementos: um cognitivo, que é o conhecimento ou consciência do fato constitutivo da ação típica; e um volitivo, que é a vontade de realizá-la. O primeiro elemento, o conhecimento (representação), é pressuposto do segundo, a vontade, que não pode existir sem aquele.

A consciência elementar do dolo deve ser atual, efetiva, ao contrário da consciência da ilicitude, que pode ser potencial. Mas a consciência do dolo abrange somente a representação dos elementos integradores do tipo penal, ficando fora dela a consciência da ilicitude, que hoje, como elemento normativo, está deslocada para o interior da culpabilidade. É desnecessário o conhecimento da configuração típica, sendo suficiente o conhecimento das circunstâncias de fato necessárias à composição da figura típica.

Sintetizando, em termos bem esquemáticos, dolo é a vontade de realizar o tipo objetivo, orientada pelo conhecimento de suas elementares no caso concreto. A doutrina finalista deslocou, repetindo, o elemento normativo, que se situava no dolo — a consciência da ilicitude — para a culpabilidade, como elemento indispensável ao juízo de reprovação.”-g.n.

Nesse Sentido:

A propósito:
“APELAÇÃO CRIMINAL – PRESCRIÇÃO DE AGROTÓXICOS EM DESACORDO COM AS DETERMINAÇÕES LEGAIS (ARTS. 13, 14 E 15 DA LEI Nº 7.802/89)– ENGENHEIRO AGRÔNOMO QUE PRESCREVEU PRODUTO PARA LOCALIZAÇÃO E LAVOURAS DIVERSAS DAS EXISTENTES NAS PROPRIEDADES – SENTENÇA CONDENATÓRIA – PLEITO ABSOLUTÓRIO – ALEGADA AUSÊNCIA DE ADEQUAÇÃO DO TIPO PENAL A FUNÇÃO DESEMPENHADA POR ENGENHEIRO AGRÔNOMO QUE NÃO FARIA A APLICAÇÃO DO PRODUTO – POSSIBILIDADE DE ENQUADRAMENTO AOS ARTS. 14 E 15 DA LEI Nº 7.802/89 – ALEGADA FALTA DE CONFIGURAÇÃO DO DOLO NA CONDUTA DO AGENTE – DÚVIDA RAZOÁVEL QUANTO À EXISTÊNCIA DE DOLO DE PRESCREVER AGROTÓXICO EM DESACORDO COM DETERMINAÇÕES LEGAIS – PRESCRIÇÃO DE AGROTÓXICOS PARA LAVOURA DIVERSA – PRODUTO QUE TAMBÉM É ADEQUADO A LAVOURA ONDE APLICADO – RECEITUÁRIO COM LOCALIZAÇÃO INADEQUADA DA PROPRIEDADE PARA A QUAL DESNTINADO O PRODUTO – PROVAS QUE INDICAM POSSÍVEL ERRO NO SISTEMA DA EMPRESA QUE REALIZA O CONTROLE DAS INFORMAÇÕES DAS PROPRIEDADES – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO – DECRETO DE ABSOLVIÇÃO – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.” (TJPR – 2ª C.Criminal – 0001168-91.2019.8.16.0085 -Grandes -Rios -Rel.: DESEMBARGADOR FRANCISCO CARDOZO OLIVEIRA – J. 23.05.2022)-g.n.

“APELAÇÃO CRIMINAL. UTILIZAÇÃO DE AGROTÓXICOS EM DESACORDO COM AS DETERMINAÇÕES LEGAIS (ART. 15 DA LEI Nº 7.802/89). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DA ACUSAÇÃO. ALEGADA (CONTRARRAZÕES) OFENSA À DIALETICIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE AO CONHECIMENTO DO RECURSO. DOLO DE ‘APLICAR’ PRODUTO AGROTÓXICO EM DESACORDO COM DETERMINAÇÕES LEGAIS NÃO EVIDENCIADO. ADEMAIS, NÃO SE DEMONSTROU O USO DE EQUIPAMENTO INADEQUADO, OU MANEJO INCORRETO DO ADEQUADO. NÃO DEMONSTRAÇÃO SEGURA DA EXISTÊNCIA DE CONDIÇÕES CLIMÁTICAS ADVERSAS. APLICAÇÃO DE AGROTÓXICOS SOBRE LAVOURA DA MESMA NATUREZA, AINDA QUE EM LOCAL DIVERSO, QUE, EM PRINCÍPIO, NÃO CARACTERIZA O CRIME. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.” (TJPR – 2ª C. Criminal – 0015906-44.2018.8.16.0045 – Arapongas Rel.: DESEMBARGADOR MARIO HELTON JORGE-J. 29.11.2021) -g.n.


Logo se a prova efetiva dolo não há que se falar em crime, coo também se o acusado adotou as cautelas devidas ao consultar engenheiro agrônomo, analisou a lavoura e orientou o produto que deveria ser aplicado, com a aquisição da respectiva receita, emitida por profissional habilitado e contratou serviço especializado para aplicação do agrotóxico, não se pode lhe impor crime culposo por qualquer ato que daí derive.

Não é caso de violação de direito penal, mas de outras circunstâncias, não se podendo exigir do acusado, ainda que experiente em questões agrícolas, o conhecimento necessário para agir em conformidade com a lei, merecendo absolvição com fulcro no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.