Nos últimos anos, o interesse em torno das pesquisas relacionadas à violência contra a mulher tem aumentado.

São diversas as produções acadêmicas, e certos temas têm conquistado maior atenção científica – como é o caso dos comportamentos de stalking.

As diferenças existentes nos dados de vitimização entre homens e mulheres justificam a possibilidade de se levantar discussões em torno da relação destes à condição de gênero, apesar de ser indispensável que se considere também a vitimização masculina.

É possível definir o assédio persistente, na língua inglesa como stalking que é uma maneira de violência relacional (Laura DE FAZIO, 2009; William CUPACH; Brian SPITZBERG, 2004 apud Marlene MATOS; Helena GRANGEIA; Célia FERREIRA; Vanessa AZEVEDO, 2011b, p. 17) que diz respeito a:

Um padrão de comportamentos de assédio persistente, que se traduz em formas diversas de comunicação, contato, vigilância e monitorização de uma pessoa alvo.

Estes comportamentos podem consistir em ações rotineiras e aparentemente inofensivas (ex. oferecer presentes, telefonar frequentemente, deixar mensagens escritas) ou em ações inequivocamente intimidatórias (ex. perseguição, mensagens ameaçadoras).

O conjunto destes comportamentos, pela sua persistência e contexto de ocorrência, constitui-se como uma verdadeira campanha de assédio que, muitas vezes, afeta significativamente o bem-estar da vítima. (Helena GRANGEIA; Marlene MATOS, 2010; MULLEN; PURCELL, 2001; Lorraine SHERIDAN; Eric BLAAUW; Graham M. DAVIS, 2003, apud MATOS et al., 2011b, p.17).

Na sociedade moderna, o interesse a respeito do stalking começou a aparecer na academia a partir da década de noventa. Pesquisas a respeito do tema foram produzidas, por meio das quais tornou-se claro que se tratava de um problema social, e não apenas de casos de celebridades isolados fortalecidos pela ampla cobertura da mídia (Lorraine SHERIDAN; Eric BLAAUW; Graham M. DAVIES, 2003).

Apesar da definição apresentada, existem diversas discussões sobre quais elementos ou comportamentos realmente compreendem o stalking, o que gera muitas divergências e dificuldades de definição. Segundo Sheridan et al. (2003), trata-se de um crime – quando assim tipificado pela lei – que normalmente consiste na repetição de comportamentos de rotina, comuns e habituais.

Da mesma maneira, Matos et al. (2011b) apontam para o quão comuns, e com frequência até mesmo desejáveis, são alguns dos comportamentos considerados na definição de stalking – como é o caso de formas de flerte e demonstração de interesse aceitos e esperados pela própria sociedade. Tais condutas agressivas de aproximação são com frequência apresentadas de maneira positiva pelos meios de comunicação de massa (Allan JOHNSON, 2005 apud Eric LAMBERT; Brad SMITH; James GEISTMAN; Terry CLUSE-TOLAR, 2013, p. 203), especialmente por meio de representações em filmes – como é o caso dos filmes hollywoodianos, nos quais a persistência é apresentada como forma de conquistar as pessoas, reforçando a ideia de determinados comportamentos insistentes como vias aceitáveis e até esperadas de conquista (LAMBERT et al., 2013).

Esses fatores acabam por gerar uma grande dificuldade em que se reconheçam alguns comportamentos como sendo problemáticos, visto “que desafiam algumas crenças e normas culturalmente enraizadas” (Helena GRANGEIA; Marlene MATOS, 2010 apud MATOS et al., 2011b, p. 18). Além disso, os pesquisadores discutem onde se encontra a linha que separa uma genuína manifestação de afetos de uma atitude não apropriada e intrusiva para o alvo dos mesmos (H. Colleen SINCLAIR; Irene Hanson FRIEZE, 2000), pensando principalmente que “a percepção dessas condutas varia não só de pessoa para pessoa, mas também de relação para relação e de cultura para cultura” (William CUPACH; Brian SPITZBERG, 2002 apud MATOS et al., 2011b, p. 19).

As definições legais do fenômeno variam de acordo com a legislação do país em questão, mas comumente identificam o stalking por algumas características principais, sendo elas:

“(a) intencional (b) padrão de comportamentos repetitivos para uma ou mais pessoas (c) que são indesejados (d) resultam em medo, ou algo que uma pessoa ‘razoável’ (ou júri) veria como amedrontador ou ameaçador” (Brian SPITZBERG; William CUPACH, 2007, p. 66).

A complexidade e diversidade dos comportamentos de stalking justificam o interesse multidisciplinar pelo tema (SHERIDAN et al., 2003), que passa especialmente pela psicologia, psiquiatria, sociologia e direito. Trata-se de um fenômeno que exige contextualização, sendo impossível defini-lo a partir de um comportamento único, dada a sua característica intimidatória.

Portanto, é ainda mais difícil definir o stalking em locais nos quais a sociedade não o reconhece como uma forma de violência relacional, porque torna a questão ainda mais sensível aos meios de validação social, fazendo com que os fatores socioculturais influenciem na legitimação do que pode constituir uma ofensa (MATOS et al., 2011b, p.18).

Traçando um breve paralelo sobre a característica intimidatória do Stalking e a violência relacional, compreende-se que a naturalização do papel da mulher como submissa às situações domésticas (nascer, crescer, casar, cuidar da prole e honrar ao lar e ao marido) é comum na maioria das sociedades, principalmente àquelas com determinantes eurocêntricas.

A essa submissão, destaca-se a ideia, ainda corrente, do homem provedor e regulador da economia doméstica, haja vista a supervalorização do trabalho extra doméstico, um dos produtos do patriarcado (Claudete MONTEIRO; Ivis SOUZA, 2007; Silvia MARQUES; Fernanda PACHECO, 2009).

Nesse contexto, é possível pensar a naturalização de certos comportamentos e a pouca importância apresentada aos mesmos através do sociólogo Pierre Bourdieu e as discussões realizadas pelo autor em relação à dominação masculina.

[…] é preciso assinalar não só que as tendências à “submissão”, dadas por vezes como pretexto para “culpar a vítima”, são resultantes das estruturas objetivas, como também que essas estruturas só devem sua eficácia aos mecanismos que elas desencadeiam e que contribuem para sua reprodução. O poder simbólico não pode se exercer sem a colaboração dos que lhe são subordinados e que só se subordinam a ele porque o constroem como poder […] temos que registrar e levar em conta a construção social das estruturas cognitivas que organizam os atos de construção do mundo e de seus poderes. Assim se percebe que essa construção prática, longe de ser um ato intelectual consciente, livre, deliberado de um “sujeito” isolado, é, ela própria, resultante de um poder, inscrito duradouramente no corpo dos dominados sob forma de esquemas de percepção e de disposições (a admirar, respeitar, amar etc.) que o tornam sensível a certas manifestações simbólicas do poder (Pierre BOURDIEU, 1998, p. 52/53).

No Brasil, o crime de stalking não é legalmente tipificado. Porém existem vários projetos de lei em andamento, como o de n.º 1020/2019, proposto pelo Deputado Fábio Trad PSD, que: “Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940- Código Penal, para incluir o art. 147-A, que dispõe sobre o como identificar assedio, com a seguinte redação.

Assédio obsessivo ou insidioso 147-A Assediar alguém, de forma reiterada, invadindo, limitando ou perturbando sua esfera de liberdade ou sua privacidade, de modo a infundir medo de morte, de lesão física ou a causar sofrimento emocional substancial.

Pena – reclusão, de dois a quatro anos e multa. Assédio obsessivo ou insidioso qualificado §1º Se o autor do fato foi ou é parceiro íntimo da vítima. Pena – reclusão, de três a cinco anos e multa.

2º Incorre na mesma pena do §1º aquele que praticar o assédio com uso de tecnologia informática para inclusão, alteração de dados ou usurpação de identidade digital da vítima.

3º As penas previstas nesse artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.

O projeto e a inclusão no Código Penal se justificam por se tratar de prática abominável que vem aumentando nos últimos anos.

É sabido que o agente invade reiteradamente a privacidade da vítima, empregando táticas de perseguição que podem resultar em danos à sua integridade emocional e psicológica, restrição à sua liberdade de locomoção ou lesão à sua reputação.

Em verdade trata-se de um tipo penal qualificado de constrangimento ou assédio por diferentes atos e formas, como perseguição em locais públicos ou privados, ligações telefônicas, envio de mensagens eletrônicas, cartas e telegramas, e também a calúnia ou difamação da vítima por meio da Internet.

Tais condutas têm objetivo próprio: causar dano ao patrimônio material ou moral da vítima, a fim de alterar o seu modo de viver e restringir a sua liberdade de locomoção. Esse comportamento possui determinadas peculiaridades:

1.ª) invasão de privacidade da vítima;

2.ª) repetição de atos;

3.ª) dano à integridade psicológica e emocional do sujeito passivo;

4.ª) lesão à sua reputação;

5.ª) alteração do seu modo de vida;

6.ª) restrição à sua liberdade de locomoção.

Sobre o tema em debate, os elucidantes ensinamentos doutrinários:

“O stalking é uma forma de violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade do sujeito passivo, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos: telefonemas em seu aparelho celular, residencial ou de ocupação, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores, presentes não solicitados, assinaturas de revistas indesejáveis, mensagens em faixas amarradas, pregadas ou fixadas nas proximidades da residência da vítima, permanência na saída de sua escola ou trabalho, espera da sua passagem em determinado lugar, frequência constante no mesmo local de lazer, supermercados, lojas, etc”. (JESUS, Damásio E. de. Stalking. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. São Paulo, v. 10, n. 56, p. 66-70, jun-jul/2009).

“Os efeitos potenciais de stalking atingem a saúde mental e emocional da vítima infligindo lhe uma negação ou dúvida, ou seja, a vítima não acredita o que lhe está acontecendo. Em seguida, ao perceber a gravidade do fato, a vítima é tomada de uma frustração, culpa, vergonha, baixa autoestima, insegurança, choque e confusão, irritabilidade, medo e ansiedade, depressão, raiva, isolamento, perda de interesse em continuar desenvolvendo suas atividades corriqueiras, sentimentos suicidas, perda de confiança em sua própria percepção, sentimento violento para com o stalker, habilidade diminuída ao executar seu trabalho ou na escola, ou de realizar tarefas diárias.

Isso tudo causa efeitos potenciais na saúde psicológica da vítima de stalking como distúrbios do sono, problemas sexuais e de intimidade, dificuldade de concentração, fadiga, fobias, ataques de pânico, problemas gastrointestinais, flutuações no peso, automedicação e desordem pós-traumático (sic) do stress.” (VEIGA, Ademir Jesus da. O crime de perseguição insidiosa (stalking) e a ausência da legislação brasileira. Cascavel: Coluna do Saber, 2007).

Embora as mulheres ainda são as maiores vítimas destas condutas, entendemos que atualmente homens, mulheres, e qualquer que seja sua opção sexual estão sujeitos desta ocorrência policial, judicial ou até mesmo médica.

Em casos que se relacionem a violência doméstica e familiar contra a mulher, ou seja, ocorridas no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto, a lei nº 11.340, conhecida como lei Maria da Penha, apresenta como uma das formas de violência, a violência psicológica, na qual é possível compreender determinados comportamentos envolvidos no stalking.

Esses comportamentos podem se desenvolver em termos de frequência dos acontecimentos, assim como em relação à seriedade dos mesmos, conforme o tempo de duração da experiência. Além disso, pode culminar ou se relacionar a outras formas de violência mais facilmente reconhecidas, como física, a psicológica e sexual (Helena GRANGEIA; Marelene MATOS, 2010; Paul E. MULLEN; Rosemary PURCELL, 2001; Lorraine SHERIDAN; Eric BLAAUW; Graham M. DAVIS, 2003, apud MATOS et al., 2011b, p. 17).

Como referenciado, os comportamentos incluídos nas definições de stalking são comumente comportamentos banais, cotidianos – muitas vezes até mesmo esperados. Quando reconhecidamente agressivos ou violentos, esses comportamentos também podem ser considerados comportamentos antissociais genéricos como humilhações, xingamentos e calúnias. A especificidade do stalking se dá, portanto, especialmente pela recorrência de tais comportamentos, ao ponto que se tornam invasivos e passam a gerar diferentes consequências e impactos na vida de quem os vivencia.

Além disso, tais condutas se dão em um contexto social específico, no caso a sociedade patriarcal, machista e misógina, na qual o gênero demarca diferenças importantes na construção e socialização do ser homem e ser mulher.

Essa colocação se mostra indispensável para ser possível pensar o stalking através da perspectiva de gênero – considerando o alto índice de vitimização por parte das mulheres.

Segundo Marcela Lagarde, “o gênero é uma construção simbólica e contém o conjunto de atributos designados às pessoas a partir do sexo”. Para a autora, o gênero implica em diversos aspectos da vida do sujeito, homem ou mulher, como suas atividades, sua intelectualidade, sua afetividade, subjetividade, valores, linguagens, etc. (LAGARDE, 1996, p. 12).

Em outras palavras, o lugar social que o indivíduo ocupa a partir do gênero que lhe é atribuído influencia toda a sua vivência como sujeito, todas as suas experiências sociais e até mesmo relacionais. Dessa forma, o relacionamento entre o stalker e a vítima é de grande importância, frente aos dados de algumas pesquisas (Jessica HARRIS, 2000; Lorraine SHERIDAN; Graham M. DAVIES, 2001; Kris MOHANDIE; J. Reid MELOY; Mila GREEN-MCGOWAN; Jenn WILLIAMS, 2006; Patricia TJADEN; Nancy THOENNES, 1998; Eric BLAAUW; Frans W. WINKEL; Ella ARENSMAN; Lorraine SHERIDAN; Adriënne FREEVE, 2002; Michele PATHÉ, 2002 apud Michelle WELLER; Lorraine HOPE; Lorraine SHERIDAN, 2012) que indicam os incidentes de stalking praticados por indivíduos que tiveram alguma forma de relação próxima ou íntima com a vítima como sendo mais comuns, mais propensos a envolver violência ou ameaça física e a persistir por mais tempo, além dos indivíduos serem menos propensos a sofrer condenações legais por seus atos. Aqui, é possível questionar a ideia existente em torno do relacionamento, o velho ditado popular de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Quais os impactos dessa percepção, tanto no reconhecimento da violência, como até mesmo nas consequências sofridas pelos perpetuadores?

Algumas pesquisas apontam que os comportamentos de stalking que envolvem sujeitos que foram parceiros íntimos podem vir a ser associados a um aumento da probabilidade de violência, assim como da duração da experiência, especialmente em casos de uma ligação emocional intensa do ofensor com a vítima (Frank R. FARNHAM; David V. JAMES; Paul CANTRELL, 2000; Barry ROSENFELD, 2004; Katja BJÖRKLUND; Helinä HÄKKÄNEN-NYHOLM; Lorraine SHERIDAN; Karl ROBERTS, 2010). Patricia Tjaden e Nancy Thoennes (1998) indicaram que 59% das mulheres vítimas de stalking o sofriam por parte de um parceiro íntimo e 81% dessas mulheres também foram fisicamente agredidas. Já de acordo com Brian Spitzberg e William Cupach (2007), aproximadamente 80% dos stalkers são conhecidos da pessoa que eles perseguem. Ainda, Rosemary Purcell, Michele Pathé e Paul E. Mullen (2000 apud WELLER et al., 2012) apresentam que, aproximadamente, 50% dos casos de stalking envolvendo ofensores desconhecidos com frequência possuem a duração de apenas alguns dias e, comumente, não são mantidos por mais de duas semanas.

Ao se falar sobre prevalência em relação a stalking em estudos anteriores, é indispensável considerar a definição utilizada, visto que a mesma impacta diretamente nos números obtidos. Uma meta-análise realizada por Spitzberg e Cupach (2007) apresentou que a prevalência de stalking variou entre 2% a 13% para homens e 8% a 32% para mulheres. Na Inglaterra os números apontam que uma em cada cinco mulheres irá passar pela experiência (John FLATLEY; Chris KERSHAW; Kevin SMITH; Rupert CHAPLIN; Debbie MOON, 2010), enquanto na Itália, um relatório do Ministério da Justiça (2014) indicou que a taxa de prevalência dentre a população geral é de 11,2%. Já em Portugal, os dados indicam uma vitimização de 25% para as mulheres e de 13,3% para os homens (MATOS; GRANGEIA; FERREIRA; AZEVEDO, 2011a).

Consequentemente, tal experiência pode gerar implicações relacionadas à saúde psicológica ou a mudanças no estilo de vida do sujeito. Entretanto, ainda pouco se sabe a respeito das intervenções relacionadas a situações de stalking. Quais seriam as melhores respostas?

Apresenta-se que alguns tipos de respostas seriam mais eficazes do que outras a longo prazo. Dentre elas, evitar o stalker – as chamadas “respostas de evitamento”, possuem uma “maior tendência de desgastar o interesse do autor” (William CUPACH; Brian SPITZBERG, 2000 apud Terry GOLDSWORTHY; Matthew RAJ, 2014, p. 186).

Por outro lado, as “respostas de negociação”, assim como as “respostas de confrontamento” são vistas como contraproducentes, pois podem reforçar os comportamentos indesejados – caso a intenção do indivíduo seja causar perturbação, atitudes nas quais o alvo demonstre raiva ou retaliação comunicará ao stalker que seu comportamento está causando o efeito que deseja (William CUPACH; Brian SPITZBERG, 2004; Leila DUTTON; Barbara A. WINSTEAD, 2011 apud GOLDSWORTHY; RAJ, 2014).

Para operacionalizar a definição do fenômeno stalking, selecionaram-se onze comportamentos que a literatura internacional observa como representantes das experiências de stalking, sendo eles: perseguição (carro, moto, a pé etc.); tentativas de contato (cartas, bilhetes, telefonemas etc.); ameaça contra si próprio ou a pessoas próximas; filmagem ou fotografia sem autorização; coisas vasculhadas, roubadas ou apoderadas; invasão de propriedade ou entrada forçada na residência; ir a locais que a pessoa frequenta; ameaçar fazer mal a si mesmo (ex. suicidar-se); vigiar ou pedir para alguém fazê-lo; agressão; e agredir ou prejudicar pessoas próximas. Visto que o vocabulário português não possui palavra que compreenda na íntegra o que significa o conceito de stalking, adotou-se a referência como “assédio persistente” (MATOS et al., 2011a).

Uma pesquisa realizada para o National Crime Victimisation Survey in the United States, no ano de 2006, apresentou algumas percepções de vítimas em relação ao motivo pelo qual o stalker desistiu de seus comportamentos de assédio.

De acordo com Goldsworthy e Raj (2014), como foi sugerido por um especialista na área criminal em segurança, considera-se recomendável que a vítima se posicione de forma clara e não ambígua em relação as suas intenções sobre o término do relacionamento, evitando assim casos em que um simples gesto ou linguagem pouco claros façam com que o indivíduo acredite que seus comportamentos possam vir a reestabelecer uma relação.

Comportamentos apresentados nos casos de Stalking

Comportamento N %
Perseguição (carro, moto, a pé etc.) 4341,7
Tentativas de contato (cartas, bilhetes, telefonemas etc.) 8986,4
Ameaça contra si próprio ou a pessoas próximas 098,7
Filmagem ou fotografia sem autorização 066,8
Coisas vasculhadas, roubadas ou apoderadas 065,8
Invasão de propriedade ou entrada forçada na residência 032,9
Ir a locais que a pessoa frequenta 4947,6
Ameaçar fazer mal a si mesmo (ex. suicidar-se) 1817,5
Vigiar ou pedir para alguém fazê-lo 3130,1
Agressão 098,7
Agredir ou prejudicar pessoas próximas 054,9
Outras formas de comportamento 1514,6

Dentre os indivíduos agredidos (8,7%), a forma de agressão sofrida foi descrita como agressões físicas, verbais, sexuais e psicológicas. Já os outros comportamentos de que foram alvo (14,6%), os participantes relataram “assédio sexual”, “chantagem emocional, assédios de raiva”, “chantagem psicológica”, “convites para sair, perguntas indiscretas, olhares, presentes”, “tentativa de invasão de residência de uma amiga”, “gaslighting”3, “invasão de todas as redes sociais/e-mail, excesso de mensagens insistentes, buscou manter relações com os familiares da vítima”, “perturbou familiares com o propósito de conseguir contato”, envio de presentes e tentativas de toque.

As pesquisas sustentam o stalking como algo traumático para as vítimas, que podem sofrer consequências econômicas, psicológicas, sociais e físicas (Beth BJERREGAARD, 2000; SHERIDAN et al., 2003; SPITZBERG; CUPACH, 2007). Segundo alguns autores (Katrina BAUM; Shannan CATALANO; Michael RAND, 2009; Beth BJERREGAARD, 2000; Tracey BUDD; Joanna MATTINSON, 2000; Alana M. NICASTRO; Amber V. COUSINS; Brian SPITZBERG, 2000; BAUM et al., 2003; Chris BREWSTER, 1998; Bonnie S. FISHER; Francis T. CULLEN; Michael G. TURNER, 1999; SINCLAIR; FRIEZE, 2005, apud GOLDSWORTHY; RAJ, 2014), os métodos mais comuns utilizados pelas vítimas de stalking para frustrar os comportamentos intrusivos consistem em mudar as atividades diárias, pedir para que a pessoa pare com o seu comportamento, evitar certas pessoas ou lugares, desligar os telefonemas, contar com a ajuda de familiares ou amigos, argumentar ou tentar argumentar com o stalker, evitar ou tentar evitar o stalker, e ignorar ou tentar ignorar o stalker, sendo importante ressaltar que essas respostas raramente se dão independentemente.

Muitos indivíduos respondem à atenção indesejada de formas indiretas, como agir de maneira agradável ou esperar que, com o tempo, o stalker naturalmente desista.

Na verdade, ‘agir de maneira agradável’ foi, em um estudo realizado tanto com vítimas como com os perseguidores, a resposta dada com maior frequência – tanto pelas vítimas quanto pelos autores – frente às experiências de comportamentos persecutórios.

Segundo as autoras, tais resultados podem ter relação com uma tendência a evitar conflitos que possam magoar os sentimentos dos ex-parceiros românticos (DUTTON; WINSTEAD, 2011).

Caso não surta os efeitos esperados, outras razões citadas nos estudos foram intervenção policial (polícia alertar o autor), intervenção da própria vítima (falar com o stalker), intervenção de pessoa próxima à vítima. Ainda, aproximadamente um décimo das vítimas relacionaram que o fim dos comportamentos intrusivos se deu após terem obtido alguma forma de medida protetiva que obrigasse legalmente o autor a manter certa distância (Katrina BAUM; Shannan CATALANO; Michael RAND; Kristina ROSE, 2009).

Nesta esteira, apontamos algumas posições jurídicas que podem ser adotadas dentro da legislação brasileira como meio legitimo de frear o stalker, inclusive utilizando-se de Pactos internacionais no direito penal comparado onde condutas desta natureza já foram tipificadas como crime, a exemplo recentemente Portugal da qual o Brasil é signatário.

Como se sabe, o art. 7º da Lei Maria da Penha prevê, em seus incisos, algumas das formas de crimes violência doméstica e familiar contra a mulher. Apesar de não previsto explicitamente, o stalking é uma forma de violência passível de ser enquadrada nessa lei.

As formas de violência elencadas no art. 7º da Lei Maria da Penha são:

I – violência física;

II – violência psicológica;

II – violência sexual;

IV – violência patrimonial;

V – violência moral.

A violência física é qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da vítima, como a contravenção de vias de fato (art. 21 da Lei das Contravenções Penais), contravenção de perturbação da tranquilidade (art. 65 da Lei das Contravenções), crimes de constrangimento ilegal, ameaça e lesão corporal, no caso de ofensa à saúde mental (arts. 146, 147 e crimes de lesão corporal e de homicídio arts. 129 e 121 do Código Penal, respectivamente).

Existem ainda algumas condutas mais graves como:

  1. Violência sexual que consiste em no ato de constranger a vítima presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos. Exemplos de crimes associados a esse tipo de violência são os de estupro e estupro de vulnerável (arts. 213 e 217-A, respectivamente).
  2. Violência patrimonial é cometida através de qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total dos objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos da vítima, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Exemplos desse tipo de violência são os crimes de furto e dano (arts. 155 e 163 do Código Penal, respectivamente).
  3. Violência moral é entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. Esses crimes contra a honra são previstos, respectivamente, nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal. Assim como as ameaças, os crimes contra a honra também são muito comuns em casos de stalking entre ex-parceiros.

Em verdade na prática quem é vítima destas condutas sabe que os Boletins de Ocorrência somente abarrotam os Distritos Policiais e são insuficientes para evitar este tipo de comportamento, principalmente, quando não é feito através de uma Queixa Crime.

Já ás Medidas Protetivas, as Medidas Penais Assecuratórias, ás Medidas Cíveis Cautelares quando trabalhadas em conjunto por “advogado penal expert na área” tem surtido maiores efeitos em todos os aspectos já que a maioria dos stalkers costumam ser ex-parceiros das vítimas, é sabido que estes comportamentos insistentes são vistos como esforços legítimos para recuperar o relacionamento perdido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há muito mais a ser pensado e discutido em relação aos comportamentos de stalking. Os resultados aqui obtidos têm como objetivo, primeiramente, levantar questionamentos sobre a definição de stalking, assim como quais suas características, e de que forma se apresenta em indivíduos da população brasileira – considerando-se um fator limitante o número de participantes e a restrição da amostragem, pois os sujeitos que participaram desta pesquisa foram estudantes universitários, e os resultados podem vir a apresentar divergências em caso de se reaplicar a pesquisa em participantes da população geral.

Com isso, pretende-se incentivar reflexões e pesquisas relacionadas ao tema, visto que se trata de um conceito ainda muito discutido e pouco definido, até mesmo na literatura internacional, e que as limitações relacionadas aos participantes, como citado, permitem que a pesquisa aqui realizada se apresente apenas como um passo inicial na discussão empírica sobre o tema no Brasil.

Por dizer respeito a um fenômeno com escassez de estudos nacionais, o termo stalking foi mantido em seu idioma original ou traduzido como assédio persistente, seguindo a literatura portuguesa. Mostra-se importante, também, ressaltar a complexidade do tema, suas diversas nuances e todos os debates que o cercam em toda a literatura internacional, tanto no meio acadêmico, quanto no que diz respeito aos termos legais.

Os resultados encontrados nesse estudo apontaram para uma relevante prevalência da vitimização por stalking em estudantes universitários, o que remete a uma necessidade de se voltar maior atenção ao fenômeno, visto as possíveis consequências e os impactos psicológicos e sociais das experiências de vitimização. É importante que a população saiba sobre o assunto para que seja possível identificar as situações e agir sobre as mesmas da maneira que se mostrar necessário. Como apresentado, no Brasil, o crime de stalking não está tipificado na legislação. Apesar da existente proposta de acrescentá-lo ao Novo Código Penal, há poucas pesquisas nacionais nas quais se basear – e basicamente todo conteúdo existente é produzido pela área do Direito. É importante, também, questionar o que se pretende com a criminalização de comportamentos tão dificilmente definíveis. Punir algo ainda tão pouco estudado nacionalmente e permeado por tantos debates, é realmente uma solução eficaz?

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Avon em parceria com o Data Popular em novembro de 2014, a cada 5 mulheres jovens 3 já vivenciaram violência em relacionamentos. O mesmo estudo aponta para índices elevados de naturalização dessa violência – quando associada a agressão física, 8% das mulheres assumem terem sofrido violência do parceiro e 4% dos homens reconhecem já terem tido atitudes violentas contra suas companheiras; já frente a exemplos de outras atitudes como ameaçar, xingar, humilhar, controlar, impedir de usar uma roupa específica ou de sair de casa etc., 55% dos homens assumiram já terem tido tais comportamentos, enquanto 66% das mulheres relatam terem sofrido alguma dessas ações por parte do companheiro. Entre 2001 e 2011, anteriormente à tipificação do crime de feminicídio,5 é aferido que tenham ocorrido mais de 50 mil assassinatos de mulheres (AGÊNCIA PATRÍCIA GALVÃO, 2016).

Esses dados se mostram importantes frente aos resultados que foram apresentados nesta pesquisa – as mulheres como maiores vítimas em situações de stalking na amostra utilizada, corroborando com a literatura internacional. Diversas vezes, a experiência de stalking se apresenta como prévia a crimes muito mais graves, chegando a culminar em violência sexual e até mesmo feminicídio. É importante também ressaltar os resultados desse estudo que demonstraram a saúde psicológica como área de maior impacto da experiência de stalking para as vítimas – sendo que 20,2% relataram terem sido “muito afetadas” nesse aspecto.

Dessa forma, sugere-se que maiores pesquisas relacionadas aos comportamentos, aos impactos, a prevalência, dentre outros fatores importantes abordados neste trabalho sejam realizadas a partir das diferentes áreas como a psicologia e as ciências sociais, de forma a se pensar intervenções eficazes e políticas públicas que englobem a problemática do stalking de forma efetiva.

REFERÊNCIAS

BLANCO ADVOCACIA- perfil enderson blanco –Advogado Criminalista – formado em direito pela Universidade de Guarulhos, é pós-graduado em direito processual penal pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, em Direito Penal Econômico e Europeu pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em Portugal, especialização em Direito Penal Econômico pela FGV como identificar assedio

ABRAMSON, Kate. “Turning up the lights on gaslighting”. Philosophical Perspectives, Ethics, n. 28, p. 1-30, 2014.

AGÊNCIA PATRÍCIA GALVÃO. “Dados e fatos sobre violência contra as mulheres”, 2016. Disponível em Disponível em http://agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/dados-e-pesquisas-violencia/dados-e-fatos-sobre-violencia-contra-as-mulheres/. Acesso em 23/03/2017.

BAUM, Katrina; CATALANO, Shannan; RAND, Michael; ROSE, Kristina. Stalking Victimization in the United States. National Crime Victimization Survey. Washington, DC: U.S. Department of Justice, jan. 2009. p. 1-16.

BJERREGAARD, Beth. “An Empirical Study of Stalking Victimization”. Violence and Victims, v. 15, n. 4, p. 389-406, 2000.

BJÖRKLUND Katja; HÄKKÄNEN-NYHOLM, Helinä; SHERIDAN, Lorraine; ROBERTS, Karl. “The Prevalence of Stalking Among Finnish University Students”. Journal of Interpersonal Violence, v. 25, n. 4. p. 684-689, abr. 2010.

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