O art. 5º. XI, da Constituição da República, entre os direitos fundamentais, protege a casa, como asilo inviolável do indivíduo, exceto por consentimento do morador, flagrante criminal, necessidade de prestar socorro, autorização judicial.
Na prática, para algumas autoridades policiais o abuso de autoridade tem prevalecido em face do texto Constitucional, principalmente; no que tange aos crimes considerados permanentes, como tráfico de Drogas, Crime de Descaminho, Contrabando ou de que houve o consentimento da pessoa investigada.
Muitas vezes, tais ações policiais acabam sendo convalidadas pelo próprio poder judiciário que vê o ato de consentimento do morador como presunção para violação do domicilio sem necessidade de autorização judicial.
A nosso ver a presunção que se faz é equivocada, pois ao contrário do que se pensa, a presunção deve partir do ato primário do policial, ou seja, não do consentimento propriamente dito, mas do ato que levou a parte vulnerável da relação a consentir tal violação.
Com bem sabe, a polícia na busca de provas e da flagrância delitiva em ambiente residencial, jamais colocará a salvo os direitos fundamentais do investigado, até porque se assim o fizesse, principalmente o culpado jamais permitiria autorizar a produção de prova contra si.
Portanto, presume-se que o Abuso de Autoridade prescinde ao consentimento do morador, em razão das ilicitudes do ato policial que via de regra vem acompanhado de erro, violência, coação, intimidação, em fim, toda espécie de artifícios fraudulentos para alcançar o seu intento que nada mais é do que o consentimento do morador para adentrar a sua residência e produzir todo o tipo de prova licita e ilícita sem consultar o Poder Judiciário.
Evidentemente, que os Magistrados devem analisar com muita cautela o consentimento do morador e nunca presumi-lo como rigorosamente se tem visto, não somente para evitar abusos policiais, mas especialmente, para conservar os elementos lícitos de prova, com supedâneo de se evitar possível nulidade processual em razão de provas obtidas sobre tais circunstâncias, conforme prescreve a regra do artigo 157, § 1º do Código de Processo Penal.
Sobre a Doutrina, nas buscas domiciliares há um conflito de interesses em jogo – a busca da verdade, para realização da justiça criminal, e a preservação da intimidade e da inviolabilidade do domicilio. E qual o primeiro ato que o Policial se utiliza e a Justiça o favorece para evitar o conflito? Justamente a forma equivocada do consentimento do morador. E não as circunstâncias que levou o morador a consentir, é preciso mais atenção do Poder Judiciário principalmente que a busca e apreensão já inicia, em sua previsão constitucional, como medida excepcional, vale dizer, como exceção ao sistema de proteção dos direitos fundamentais, o que ganha denotada importância para interpretação e aplicação das regras processuais nos casos práticos.
Como assevera, Cleunice Pitombo : “Infelizmente, no Brasil e em outros lugares, em que o miúdo desconhece os próprios direitos, o abuso policial surge manifesto. A polícia invade casas e o morador, temeroso, tímido, não lhe coarcta o passo”
O TJRS recentemente destacou a invalidade do consentimento de pessoa investigada por tráfico de drogas. Na ocasião, o Desembargador relator pontuou: “Não existe previsão legal para a busca domiciliar a partir da permissão informal do proprietário. Do consentimento a que se refere o art. 5º, XI, da CF não se infere que poderão ser realizados buscas sem determinação judicial, apenas sob a anuência do morador. Se assim fosse, veríamos-nos diante de um quadro temerário, no qual os mandados de busca e apreensão seriam dispensáveis, já que polícia sempre poderia conseguir, extrajudicialmente, o “consentimento” do proprietário. Afinal, é de se ter em conta que, nas circunstâncias descritas nos autos esse aval foi dado sob constrangimento” (Ap 70058172628, rel. Des. Diógenes V. Hassan Ribeiro, 3ª Câmara Criminal, DJ 24.06.2014).
Conclui-se que o Estado de flagrância deve ser absolutamente claro, constatado antes da invasão de domicilio, com a confirmação do posterior do flagrante delito, havendo dúvidas a Autoridade Policial deverá estar munida de Autorização Judicial, sob pena de vir a responder por abuso de autoridade e consequentemente a nulidade processual em razão de provas obtidas por meios ilícitos ou sem as garantias constitucionais devidas.