Como se sabe o suspeito ou investigado não pode ser constrangido pela polícia ou pelo Ministério Público para prestar esclarecimentos, nem mesmo, sobre ameaça de condução coercitiva.

Na verdade, a própria condição de “investigado” ou “suspeito” coloca o intimado em salvo conduto de não ser constrangido a prestar qualquer informação que possa ser interpretada futuramente em seu desfavor.

Nem mesmo, o artigo 26, inciso I, alínea “a” da Lei 8265/93 que sistematicamente é utilizada para essa finalidade nos inquéritos investigativos pode ordenar contra o investigado a condução coercitiva no intuito de constrangê-lo a produzir prova contra si.

Além do mais, a referida norma deve ser interpretada restritivamente, pois o texto normativo não contempla a “condição do sujeito intimado”, mas simplesmente de “expedir notificações para colher depoimento ou esclarecimentos”.

Tem se por isso, a necessidade do complemento normativo, regulamentado pela própria resolução do Conselho Nacional do Ministério Público de n.º 13/06, que dispõe; “O autor do fato investigado, será notificado, a apresentar querendo, as informações que considerar adequadas, facultado o acompanhamento por advogado criminalista.”

Nota-se, portanto, que se trata de uma faculdade de apresentar ou não sua versão e, obviamente, caso não o faça, não pode ser submetido ao constrangimento de ser levado perante a autoridade a base de condução coercitiva.

Quando muito, para evitar um risco do cerceamento de um direito de ir e vir, ainda que momentâneo, o investigado poderia justificar o não comparecimento da notificação ou intimação, fundamento a sua ausência, com respaldo na Constituição Federal do direito ao silencio e   autoincriminação.

As conduções coercitivas estarão sempre pré-ordenadas ou vinculadas ás testemunhas e vítimas, mas nunca, para acusados, investigados, indiciados  ou suspeitos, os sujeitos, nessas condições, os sujeitos somente podem ser submetidos a condução coercitiva,  por ordem judicial se atendidos os requisitos do artigo 260 e parágrafo único do CPP.

O delegado, quando necessitar, não pode se socorrer apenas do trânsito dos Autos encaminhados ao Ministério Público, mas deve pleitear efetivamente do magistrado que determine a condução coercitiva do indiciado/suspeito ou de qualquer outra pessoa a sua presença.

Portanto, salvo na hipótese acima avençada, de nada adiantaria a condução coercitiva, senão para violação de um direito de garantias fundamentais, já que de nada adiantaria o acusado/investigado ser apresentado sob vara, e, depois de todo esse desgaste, silenciar.

Se ele não atende o chamamento da autoridade policial ou do Ministério Público é porque deseja ao menos no início do processo investigativo calar.

A inobservância deste preceito constitucional, justifica a nulidade processual “ab initio”, pois  a condução coercitiva representa, mesmo que por pequeno espaço de tempo, limitação à liberdade do indivíduo e de seu direito de ir e vir, irrefutável a natureza jurídica de prisão da ordem de condução coercitiva.

 Assim, combinado com o supracitado inciso LXI do artigo 5º que erige na Constituição Federal a excepcionalidade da prisão, indispensável que a mesma seja precedida de ordem judicial.

 “Atualmente, somente o juiz pode determinar a condução coercitiva, visto ser esta uma modalidade de prisão processual, embora de curta duração” (NUCCI:2012). 

 Evidencia-se que tal imposição constitucional que vincula qualquer tipo de prisão à expedição de ordem de autoridade judiciária não admite qualquer interpretação extensiva ou analógica em sentido contrário, não abarcando possibilidade de alargamento a significar mitigação do juízo de garantias ao direito de liberdade colimado na ordem constitucional e condicionante da persecução penal extrajudicial e judicial.

 Todo cerceamento à liberdade individual deve encontrar um suporte legal para ampará-lo. A Constituição Federal enumera vários dispositivos tuteladores da liberdade do cidadão e a estabelece como regra, enquanto a prisão se firma como exceção.

 “O processo penal brasileiro é um exemplo talvez típico dessa evolução normativa. É o bastante conferir as inúmeras disposições constitucionais em tema de processo penal, inscritas no título dos direitos e garantias fundamentais, que funcionam como verdadeiros diques de proteção aos acusados” (MACHADO:2009). 

 Acrescenta-se, que até mesmo diante da consagração pela Constituição Federal do princípio nemo tenetur se detegere, que assegura o direito ao silêncio como forma de manifestação da ampla defesa, torna-se absolutamente desprovida de embasamento legal a determinação de condução coercitiva do investigado à Delegacia de Polícia para prestar esclarecimentos.  

 O ‘direito de silêncio é apenas uma manifestação de uma garantia muito maior, esculpida no princípio nemo tenetur se detegere, segundo a qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando interrogado’ e acrescenta que do exercício do direito ao silêncio não pode nascer nenhuma presunção de culpabilidade ou qualquer tipo de prejuízo jurídico ao imputado, na medida em que no processo penal só há presunção de inocência. Por conseqüência, qualquer tipo de recusa não autoriza presumir-se a culpabilidade, muito menor por configurar delito de desobediência. Portanto, o princípio da não auto-incriminação decorre não só de poder calar no interrogatório, como também do fato de o imputado não poder ser compelido a participar de acareações, de reconhecimentos, de reconstituições, de fornecer material para exames periciais, tais como exame de sangue, de DNA ou de escrita, incumbindo à acusação desincumbir-se do ônus ou carga probatória de outra forma (LOPES,2007) 

 Nesse diapasão, conclui-se seguindo o viés da teoria dos poderes implícitos, que se a Constituição Federal resguarda o direito ao silêncio e de não produzir provas contra si, consequência lógica é que resguarde os meios para consolidá-la, não havendo guarida para condução coercitiva para esclarecimentos dentro de uma perspectiva garantista que somente autoriza o uso da força quando expressamente autorizada por Lei.  Assim, a força, nesse sentido, não é, e nem poderia, ser a finalidade do direito. A força é apenas um meio de garantir sua efetividade e deve ser incondicionalmente autorizada, legitimada e exercida com proporcionalidade e racionalidade (SICHES:1978), sob pena de manifesto arbítrio.

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