COMPORTAMENTOS FINANCEIROS ATÍPICOS INDICAM NEGLIGÊNCIA BANCÁRIA E CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO

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O crime de lavagem de dinheiro está previsto na Lei 12.683/2012 que dispõe em seu artigo 1º que constitui crime ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

 Como se sabe, o delito de lavagem de dinheiro tem como núcleo o ato de ocultar ou dissimular a origem dos valores, tratando o agente de reciclá-los por meio de uma ou várias operações, de modo a camuflar a sua origem espúria, reinserindo-os no mercado com aparência lícita.

 Há, pois, nesse crime, um elemento típico objetivo que corresponde à conduta de “maquiar”, mediante os mais distintos artifícios, a origem ilícita do dinheiro, para, em seguida, “branqueá-lo” mediante uma operação de lavagem. Já o elemento subjetivo consiste na intenção do agente de emprestar aos valores oriundos dos crimes antecedentes uma aparência legal.

 Em dias atuais, principalmente nos grandes centros de comércio, onde se impera a violência, é bastante incomum e até mesmo desaconselhável a retirada de elevadas somas de dinheiro, em espécie, de uma agência bancária, sem nenhuma proteção especial, além de transações e movimentações de valores expressivos incompatíveis com a renda auferida pela pessoa física ou jurídica.

 Portanto, comportamentos anormais também é um indicativo de algo irregular, principalmente após ás colocações constantes do estudo Cem Casos de Lavagem de Dinheiro, Grupo de Egmont – FIUs em Ação, editado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, em parceria com o Banco do Brasil, traduzido pela Embaixada dos EUA.

 Do mencionado trabalho consta a importante e crucial ponderação de que, diante da impossibilidade da constatação direta do delito de lavagem de dinheiro, já que a atuação dos agentes é sempre sub-reptícia, faz-se necessário identificar a presença daquilo que o Grupo chamou de “indicadores” da existência do crime, o que em nosso ordenamento jurídico denominamos de prova indiciária ou indireta.

 Entre os “indicadores” listados, permito-me relembrar alguns que considero presentes na situação sob exame: (i) grande volume de transações em espécie; (ii) comportamento empresarial surpreendente ou atípico, ou seja, destoante daquele praticado no mercado; (iii) alto e injustificável risco para a segurança dos envolvidos, como, verbi gratia, o transporte pessoal de grandes valores ou de bens muito valiosos; (iv) métodos inusitados para a realização de operações financeiras; (v) desconhecimento ou desconsideração de práticas que as pessoas deveriam conhecer; (vi) tentativa de evitar a identificação dos beneficiários finais dos bens ou valores; (vii) explicações não críveis para justificar a realização de negócios; (viii) informações de última hora para movimentações financeiras a serem realizadas; (ix) empréstimos múltiplos em curto espaço de tempo; (x) utilização de inúmeros ‘testasde- ferro’ ou intermediários; (xi) múltiplas, sucessivas e idênticas transações financeiras; (xii) dispersão de recursos entre inúmeros beneficiários, sem justificativa plausível; (xiii) transferência grande e rápida de recursos; e (xiv) explicações insuficientes para a origem dos recursos.

 Assim a instituição financeira não pode ser omissa ou negligente quando se deparar com comportamentos financeiros atípicos, principalmente, em razão do que dispõe a  Carta-Circular Nº 2.826, ao qual divulgou a relação de operações e situações que podem configurar indício de ocorrência dos crimes previstos na Lei no 9.613, de 03.03.98, atual 12.683/2012 e que estabelece procedimentos para sua comunicação ao Banco Central do Brasil.

 A realização das operações ou a verificação das situações abaixo descritas, considerando as partes envolvidas, os valores, as formas de realização, os instrumentos utilizados ou a falta de fundamento econômico ou legal, podem configurar indício de ocorrência dos crimes previstos na Lei nº 12.683/12, tendo em vista o disposto nos arts. 2º, parágrafo único, e 4º, ‘caput’, da Circular nº 2.852, de 03.12.98:

 I – situações relacionadas com operações em espécie ou em cheques de viagem:

……

  1. c) movimentações feitas por pessoa física ou jurídica cujas transações ou negócios normalmente se efetivam por meio da utilização de cheques ou outras formas de pagamento;

……

II – situações relacionadas com a manutenção de contas correntes:

……

  1. c) atuação, de forma contumaz, em nome de terceiros ou sem a revelação da verdadeira identidade do beneficiário;

…..

  1. x) movimentação de contas correntes que apresentem débitos e créditos que, por sua habitualidade, valor e forma, configurem artifício para burla da identificação dos responsáveis pelos depósitos e dos beneficiários dos saques;

……

IV – situações relacionadas com empregados das instituições e seus representantes:

……

  1. c) qualquer negócio realizado por empregado ou representante – quando desconhecida a identidade do último beneficiário – contrariamente ao procedimento normal para o tipo de operação de saque que se trata.

 Além do que a Carta-Circular Nº 3.098 esclarece sobre o registro de depósitos e retiradas em espécie, bem como de pedidos de provisionamento para saques.

 Com base nos arts. 1º, inciso III, e 2º, caput e parágrafo único, da Circular 2.852, de 3 de dezembro de 1998, que dispõe sobre os procedimentos a serem adotados na prevenção e combate às atividades relacionadas com os crimes previstos na Lei 12.683/12, comunicamos, em complementação às disposições da Carta Circular 2.826, de 4 de dezembro de 1998, que os bancos comerciais, a Caixa Econômica Federal, os bancos múltiplos com carteira comercial e/ou de crédito imobiliário, as sociedades de crédito imobiliário, as sociedades de poupança e empréstimo e as cooperativas de crédito devem registrar, na transação PCAF500 do Sistema de Informações Banco Central – Sisbacen, as seguintes ocorrências:

 I – depósito em espécie, retirada em espécie ou pedido de provisionamento para saque, de valor igual ou superior a R$100.000,00 (cem mil reais),independentemente de qualquer análise ou providência, devendo o registro respectivo ser efetuado na data do depósito, da retirada ou do pedido de provisionamento para saque;

 II – depósito em espécie, retirada em espécie ou pedido de provisionamento para saque, de valor inferior a RS 100.000,00 (cem mil reais), que apresente indícios de ocultação ou dissimulação da natureza, da origem, da localização, da disposição, da movimentação ou da propriedade de bens, direitos e valores, respeitado o disposto no art. 2 da mencionada Circular 2.852, de 1998.

 O registro de que trata esta carta-circular deve conter as informações abaixo indicadas, bem como observar as instruções contidas em seu anexo:

I – o nome e o número do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), conforme o caso, do proprietário ou beneficiário do dinheiro e da pessoa que estiver efetuando o depósito, a retirada ou o pedido de provisionamento para saque;

 As instituições devem dispensar especial atenção, para fins dos referidos registros, aos depósitos e às retiradas que, pela habitualidade, valor e forma, configurem artifício destinado a evitar os mecanismos de controle estabelecidos, devendo adotar procedimentos para impedir as tentativas de burla às disposições desta carta-circular.

 O diretor ou gerente indicado na forma do art. 7º da Circular 2.852, de 1998, deve adotar os procedimentos necessários ao cumprimento das disposições contidas nesta carta-circular.

 Dentre as normas que dispõem sobre a lavagem de dinheiro estão a Lei 12.683/12, a Circular BCB nº 2.852/98 e as Cartas-Circulares nºs. 2.826/98, 3.098/03 e 3.101/03

 Ora, em tais casos, principalmente, quando ocorrem saques volumosos em espécie se não houvesse a finalidade de ocultar o recebimento dos valores, não haveria a necessidade de recebimento de altas quantias em espécie entregues aos próprios correntistas ou há terceiros diretamente no caixa ou na tesouraria do banco, uma vez que o sistema bancário ainda é uma das formas mais seguras de realizar pagamentos e transferências de modo eletrônico, devendo apenas, ser checado se a transação vai além dos limites de renda do agente ou cliente.

 Por outro lado, observo, por oportuno, que o recebimento de numerário por interposta pessoa não caracteriza necessariamente o crime de lavagem de dinheiro.

 Inicialmente, assento que para caracterizar o delito de lavagem de dinheiro, disposto na da Lei 12683/12, deve haver o dolo do agente, ou seja, a vontade consciente de atingir o resultado delituoso, deve ser sempre claramente demonstrado, uma vez que não existe o dolo eventual nem a forma culposa desse delito, conforme firme orientação doutrinária estrangeira e pátria sobre o tema.

 Nesse sentido, observo que a Convenção de Viena (art. 3,1, b), a Convenção de Palermo (art. 6,1) e a Diretiva do Parlamento Europeu consignam que somente aqueles que possuem plena ciência da procedência ilícita dos bens ou valores podem praticar o crime de lavagem de dinheiro.

 Ao comentar a modalidade delituosa de lavagem de dinheiro prevista na legislação espanhola, Aránguez Sanchez observa que nela, a exemplo da nossa, não se menciona a possibilidade de enquadramento por dolo eventual, mas “sí que se delimita el elemento volitivo del dolo, pues el verbo típico consiste en realizar cualquier acto para ocultar, encubrir, o ayudar, con lo que excluye el dolo eventual e incluso el dolo de consecuencias necesarias”.

 Na doutrina pátria, Miguel Reale Júnior explica que o dolo, na lavagem de dinheiro, apenas se evidencia a partir da convicção, por parte do agente, de que o bem provenha de origem ilícita.

 Em trabalho publicado na Revista Brasileira de Estudos Criminais, ao assentar a inexistência do dolo eventual relativamente ao tipo penal em questão, André Luís Callegari observa o seguinte:

 “O primeiro motivo dessa conclusão é que o delito de lavagem exige que se conheça a procedência ilícita dos valores que serão lavados e o momento do conhecimento deve ocorrer, a nosso juízo, quando da consumação do delito previsto na lei, ou seja, no momento em que o sujeito atua para realizar uma das atividades típicas descritas nos verbos do tipo, porque ele tem que saber que os bens procedem de um dos delitos expressamente enumerados na Lei e, ainda, que saiba antes da realização do delito prévio.

 O outro motivo é que além do conhecimento absoluto da procedência dos bens, conhecendo com exatidão que estes tiveram sua origem nem dos delitos expressamente previstos na lei, sua finalidade deve estar dirigida para este fim, é dizer, de lavagem. Se o sujeito na comissão do delito não tem certeza absoluta, senão que só se representa como provável que os bens têm uma origem delitiva, não se pode condenar pela comissão do delito de lavagem. É que os tipos penais exigem que o autor atue com uma das finalidades específicas, previstas legalmente, é dizer seja a de ocultar ou dissimular a origem criminosa dos bens.

 Portanto, nos casos dos agentes financeiros, ou seja, pessoas que trabalham em entidades deste tipo, não haverá conduta típica se o sujeito, quando da realização do seu trabalho, não agir com a finalidade de ocultar ou dissimular a origem dos bens. Além disso, como já foi dito, deverá também conhecer a origem delitiva da qual procede o bem. Sem estes pressupostos, não há que se falar em conduta punível”

 Em sua obra Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas, Marco

Antônio de Barros, por sua vez, assenta que:

 “Desde o início destes estudos e pesquisas sustentamos que o dolo, in casu, é o dolo direto (quando o agente quer o resultado). Não é aceitável o argumento que defende a possibilidade de se confirmar o elemento subjetivo com esteio na figura do dolo eventual (quando o agente assume o risco de produzi-lo). É que as condutas alternativas do tipo penal estão ligadas à intencionalidade de se ocultar ou dissimular o patrimônio ilícito originário de crime antecedente, ou então, quando se trate das condutas paralelas de colaboração, também se indica a prévia ciência da origem ilícita dos bens, direitos ou valores. (…) Vale dizer, a intencionalidade de ocultar ou dissimular não dá abrigo à assunção de risco. Ao contrário, exige ação com conhecimento prévio da origem ilícita do capital, conduzida a partir da decisão de alcançar o resultado típico. Seria temerário e configuraria uma interpretação extensiva insegura, demasiadamente longa para a defesa do réu, admitir que, na ausência de previsão legal da forma culposa, se possa substituí-la pela aplicação da teoria do dolo eventual, para o fim de se evitar situações de eventuais impunidades”.

 Não é outra a conclusão de Sérgio Fernandes Moro. Segundo este especialista, é preciso que o agente tenha “o conhecimento de que os bens, direitos ou valores envolvidos são provenientes de atividades criminosas”.

 Ainda que se admita, apenas para argumentar, a possibilidade de essa prática ilícita ser informada pelo dolo eventual – tese repudiada pela mais abalizada doutrina –, não poderia a acusação deixar de fazer prova desse elemento subjetivo, evidenciando que o agente sabia ou deveria saber da origem ilícita dos recursos.

 É certo que não se exige da acusação a demonstração de que o agente tinha certeza absoluta acerca da procedência ilícita do dinheiro, mas é preciso provar que este, ao agir, tinha consciência de que estava praticando o ilícito, no caso, de que estava procedendo à “lavagem” de capitais repudiada pelo ordenamento legal pátrio.

Assim esclarecido o que significa lavagem de dinheiro, temos que a relação entre Bancos e Clientes deve estar sempre pautada no princípio da legalidade e da boa-fé, sem o qual, implicará em responsabilidade penal, civil e administrativa para ambos.