O registro do etilômetro (bafômetro) é apenas uma indicação, prova indireta, para aferir a capacidade psicomotora do motorista, na atual legislação de trânsito Logo, numa averiguação sobre embriaguez ao volante, é preciso considerar outros elementos que confirmem a denúncia do Ministério Público.
Este, em síntese, o fundamento da 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao manter sentença que absolveu um motociclista denunciado por dirigir embriagado. O colegiado, assim como o juízo de primeiro grau, derrubou a denúncia, por entender que o registro do etilômetro não refletiu a realidade do fato denunciado pelo MP.
Para o relator da apelação-crime, desembargador João Batista Marques Tovo, a testemunha disse que o réu não apresentava qualquer sinal de alteração da capacidade psicomotora, ressaltando que o resultado acima do standard legal é bastante incomum para condutores de motocicletas. ‘‘E a razão disso é óbvia: para a condução de motocicletas, é necessário equilíbrio e destreza, que ficam prejudicados com a alteração da capacidade psicomotora por ingestão de bebidas alcoólicas, sendo mais comum que os condutores se envolvam em acidentes – e sejam por isso abordados – do que parados em barreira de rotina’’, complementou.
Segundo o desembargador, a Lei 12.760/2012 alterou o tipo penal do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e já não se realiza com o simples fato do condutor conter determinada concentração de álcool no sangue, mas por apresentar a capacidade psicomotora alterada em razão da influência do álcool – seja o índice que for.
Para o relator, a concentração – igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue – passou a ser um dos meios de prova dessa alteração. ‘‘E, disso retiro, o resultado do exame de sangue ou de ar alveolar somente constitui presunção relativa – favorável ou desfavorável – da alteração da capacidade psicomotora’’, registrou no acórdão, lavrado na sessão de 5 de maio.
A denúncia do MP
O motociclista foi parado pela barreira de fiscalização de trânsito, denominada Balada Segura, na madrugada de 2 de fevereiro de 2017, na Avenida Farrapos, Bairro Navegantes, em Porto Alegre. Segundo a fiscalização, ele dirigia sua motocicleta “com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool”. O teste do etilômetro (bafômetro) apontou 0,58 e, cerca de 35 minutos depois, 0,51mg de álcool por litro de ar expelido pelos pulmões. Portanto, o teste deu positivo na prova e na contraprova.
Em face da conduta, o motociclista foi denunciado pelo Ministério Público como incurso no artigo 306 do CTB: “Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência.” Penalidade prevista: detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
A denúncia foi protocolada na Vara Única de Delitos de Trânsito do Foro Central da Capital em 22 de março de 2017. Após, o réu foi pessoalmente citado, mas não compareceu à audiência para oferecer a suspensão condicional do processo. O juízo decretou, então, à revelia. Com isso, a Defensoria Pública passou a atuar no processo, apresentando resposta à acusação do MP.
Em síntese, a defesa argumentou que o conjunto probatório é frágil para amparar uma condenação. Sustentou que o laudo pericial comprova que o réu não apresentava alteração em sua capacidade psicomotora no momento da abordagem. Isso sem falar que a única testemunha ouvida na instrução não se recorda da abordagem.
Sentença improcedente
A juíza Keila Lisiane Kloeckner Catta-Preta, em sentença proferida em 7 de agosto de 2019, julgou improcedente ação penal intentada pelo MP. Ela absolveu o denunciado com base no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal (CPP) — falta de provas para amparar a condenação.
A julgadora lembrou, preliminarmente, que a redação do artigo 306 do CTB, dada pela Lei 12.760/12, permite que a alteração da capacidade psicomotora seja constatada por exame de sangue (concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue), pelo teste do etilômetro (concentração igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar) e ainda por teste toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outro meio de prova admitido.
Ela observou que, embora o etilômetro (bafômetro) acusasse a presença de álcool nos pulmões, os laudos de verificação de embriaguez alcoólica e toxicológica apontaram que o réu não apresentava alteração da capacidade psicomotora – ou seja, não havia registro de embriaguez. Um dos agentes de trânsito, presente na abordagem, confirmou que, afora o ‘‘hálito alcoólico’’, não havia sinal de embriaguez. Enfim, concluiu a julgadora, configurada a dúvida, esta deve militar em favor do acusado, pelo princípio do in dubio pro reo.
‘‘Desse modo, verifica-se que a prova colhida não é capaz de embasar uma condenação criminal, uma vez que há incerteza quanto à efetiva existência da alteração da capacidade em razão da ingestão de bebidas alcoólicas ou de substância psicoativa que determine dependência’’, escreveu na sentença.
Apelação ao TJ-RS
Inconformado, o MP interpôs apelação-crime no TJ-RS, visando à reforma da sentença. Em razões recursais, destacou que, quando o resultado do etilômetro (bafômetro) apontar indicie igual ou superior a 0,3mg/l de álcool por ar alveolar, é totalmente desnecessária a utilização de outro meio de prova para comprovar a alteração da capacidade psicomotora. Alegou, ainda, o teste do etilômetro (bafômetro) é “indubitavelmente mais fidedigno do que o exame clínico”, já que, neste, o indivíduo pode “disfarçar seu estado de embriaguez”.
Em conclusão, salientou que o exame clínico foi realizado mais de duas horas após a abordagem do réu na barreira da Balada Segura. Assim, esta prova não pode ser utilizada para absolver o denunciado.