Segunda-Feira, Dia 03 de Agosto de 2015
por Enderson Blanco
Mesmo sobre polemicas e debates; ás audiências de custódia para apresentação em 24 horas de presos em flagrantes vem sendo aplicadas no Estado de São Paulo desde fevereiro do corrente ano, quando na verdade deveriam, desde logo, terem sido postas em prática em todo território nacional desde a promulgação do Decreto n.º 678 de 6 de novembro de 1992, quando o Governo Brasileiro ratificou inteiramente a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).
Neste aspecto poderíamos dizer que a União foi Omissa quanto aos Direitos dos presos, pois o item 5 do artigo 7º do referido Pacto previu que toda pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deveria ser conduzida sem demora à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais.
Primeiro é preciso compreender que em nenhum lugar do mundo as leis Constitucionais, Supra legais, Ordinárias, medidas provisórias, leis delegadas, decretos legislativos e resoluções, contem palavras inúteis para serem mantidas a margem de sua essencial finalidade.
Quando o Governo Brasileiro aderiu ao referido pacto, sabia ou deveria saber que o direito fundamental consolidado pelos Estados –Partes na referida convenção se basearam em interesses mundiais fulcrado na experiência de construções doutrinarias e jurisprudenciais de todos os Países que visam uma proteção internacional sobre direitos humanos essenciais da pessoa, num regime de liberdade absoluta, justiça social e paz mundial.
Uma vez aderido ao Pacto não se poderia esperar do Brasil outro tratamento senão os esforços mínimos e necessários ao seu fiel comprimento.
Dirá alguns que o referido tratado apenas ganhou força probatória após o julgamento do Recurso Extraordinário sobre o n.º 349.703-1 onde o STF concebeu tratados internacionais sobre direitos humanos anteriores ao § 3º do artigo 5º da Constituição Federal como norma supra legal, em outras palavras, com força probatória superior ao Código de Processo Penal e inferior a Constituição Federal quando conflitantes.
Ora, é oportuno lembrar que os tratados internacionais ligados à dignidade humana, como é; o Pacto de São José, muito antes de serem concebidos como normas supra legais, estão bem melhor fundamentadas no inciso III do artigo 1º da CF, sendo desde 1998 direitos intimamente ligados à dignidade humana, portanto, omissão legislativa inarredável que competia a União.
Assim sendo, se em outro momento o Poder Judiciário foi benevolente com a submissão dos direitos á pessoa humana, onde detentos cautelarmente permaneciam presos por infinitos anos, ao ponto de se editar o provimento 3, de 22 de janeiro de 2015 da Presidência e da Corregedoria –Geral do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), os quais visava, como de fato visa, e se comprovou, que com a realização das audiências de custódia as prisões ilegais, arbitrarias e injustificadas reduziram-se massivamente.
Apesar de ser, mesmo diante de comprovado sucesso, as audiências de custódia parece estar soando quase como uma ofensa ao Ministério Público e Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, pois a realização do ato tem encontrado fortes resistências dessas autoridades desde que o projeto foi implantado.
De fato, não se desconhece que as referidas audiências trazem inúmeros contornos e dificuldades práticas em âmbito policial, já que a polícia não dispõe de mecanismos e pessoal necessário para comprimento da referida resolução no prazo determinado, além das ressalvas íntimas de serem tratados “entre linhas” como torturadores; além de acharem que todo aparato policial dispensado no flagrante será perdido em menos de 72horas.
Por outro lado, também não se desconhece a insatisfação do Ministério Público de se adotar mecanismos impactantes sem ouvir o próprio titular da persecução penal, ou até mesmo, sua indignação velada quanto ao número de presos que por ora estão sendo postos em liberdade, corroborando com aquela falsa presunção social de impunidade.
Desta forma, antes do Ministério Público e da Polícia Civil se indignar com projeto piloto que aos olhos do (CNJ Conselho Nacional de Justiça) parece estar dando certo, primeiro, deve-se fazer uma alta reflexão jurídica sobre aquilo que até então estávamos aceitando como corretos; na contramão de direção de toda nação mundial.
Pois bem, ao adotarmos a prática do respeito aos direitos humanos, de todos os humanos e não só de “bandidos”, e do respeito ao contraditório, ampla defesa e do devido processo legal, ou seja, de que todo acusado, seja de que crime for, tem o direito de ser processado com respeito às leis vigentes, não podemos perder de vista jamais que nossa vontade pessoal, seja do policial militar, civil, Ministério Público, Advogados ou do juiz, não pode prevalecer em detrimento das garantias constitucionais. Logo, mesmo que a vontade pessoal de alguns atores da justiça seja de que o criminoso permaneça preso por muitos anos, ou mesmo que o juiz pense da mesma forma, existe algo que prepondera sobre as vontades pessoais: o Direito!
Sei que muitos agora comentariam: “sim, mas o Direito só serve para proteger “bandidos” e não está conseguindo dar respostas à demanda atual, permitindo o aumento da violência e criminalidade.” Em resposta, argumentaria que o Direito serve para proteger o direito de todos, mas é fato que o Direito Penal, infelizmente, não está conseguindo estabelecer a paz social que tanto almejamos. Esta conclusão, de outro lado, embora pareça lastimável, termina nos permitindo a compreensão que não é o Direito Penal e nem a prisão que tem o poder de estabelecerem a paz social, ou seja, não se resolve problemas sociais históricos com cadeia e castigos, mas com uma administração correta da justiça sem se distanciar de uma politica econômica e social igualitária.
Sendo assim, todas as autoridades e demais atores que estão envolvidos com as audiências de custódia devem compreender que o projeto ao menos a primeira vista apresentou êxito, pois não se pode ter em mente, que houve todo aparato policial para em menos de 24 horas o acusado ser solto, não se pode ter em mente que enquanto o detento estiver preso, ainda que ao final do processo não lhe caiba condenação em regime fechado, está havendo justiça, são fatores que vão na contramão do ordenamento jurídico e não contribui com aplicação da justiça.
Ora, se a União foi omissa em dar melhor redação ao artigo 306 do Código de Processo Penal, em razão de menor cultura de nossos Legisladores, até mesmo quando das alterações promovidas pela lei 12.403/2011 é preciso retomar o curso correto da navegação. De igual forma, se o Poder Judiciário até o presente momento aceitou com benevolência as mazelas do Executivo; Se a polícia estava acomodada nos exercícios de suas atribuições e o Ministério Público não estava fiscalizando corretamente os direitos da pessoa humana; Entendemos que a sociedade deve assumir um ônus de aceitar as mudanças impostas pela Legislação para melhor assegurar aplicação da lei penal e da própria justiça.
– Enderson Blanco – OAB/SP 178418 Advogado criminalista especializado em direito processual penal e direito penal econômico.