O problema no colapso de audiência tem gerado um grande número de prescrições. Afinal, uma vara criminal consegue realizar de três a cinco audiências de instrução por dia útil, o que representa 60 a 100 audiências mensais. Precisamos, a partir deste dado, encontrar soluções para a redução da prescrição e do colapso das pautas de audiência, como aumentar a possibilidade de seleção de prioridades ou de acordos penais.

No cotidiano da rotina de processo judicial consegue-se realizar, em média, 60 audiências de instrução criminal por mês, isto considerando 20 dias úteis, ou seja, três por dia. Além disso, há casos de dias com júris, o que reduz a pauta mensal, também há processos com vários réus ou mais de um fato e que chegam a consumir o dia todo com apenas uma audiência. Em média, cada audiência dura 90 minutos, se não for caso complexo.

Vejamos, em caso real de uma cidade com aproximadamente 100 mil habitantes, na qual foi constatado que há, em média, 1,2 mil ocorrências policiais militares mensalmente. A rigor, são raras as investigações iniciadas a partir da Polícia Civil ou pelo Ministério Público, embora estas tendam a ser mais complexas, pois focam em fatos mais relevantes. A Polícia Militar prioriza flagrantes, geralmente em pequenos tráficos (menos de 50g) e pequenos furtos e roubos (menos de um salário mínimo), estes três delitos respondem por mais de 80% do cotidiano criminal.

Contudo, a situação agrava-se, pois das 1,2 mil ocorrências policiais mensais, 600 nem são convertidas em inquérito policial e são arquivadas pela Polícia Civil por falta de autoria conhecida no próprio sistema de informática da polícia, sem encaminhar ao fórum. E não raro são os crimes mais inteligentes. A Polícia Civil não pode arquivar inquéritos policiais, mas a legislação nada diz quanto a fase anterior a instauração do inquérito policial.

Esclarecendo, restaram 600 ocorrências policiais. Destas, aproximadamente 200 vão para o Juizado Especial e geralmente resolvem com transação penal.

Mas, ainda restam 400 ocorrências policiais. E destas, aproximadamente 100 são objeto de denúncia com suspensão condicional do processo e na maioria das vezes o denunciado aceita a proposta do Ministério Público e fica assinando o livro durante dois a quatro anos. Em regra, dois anos.

Contudo, ainda há 300 ocorrências policiais que se tornaram inquérito policial. Curiosamente destas 300, aproximadamente 100 não têm autoria conhecida, mas o delegado instaura inquérito policial apura e não consegue autoria, logo remete ao fórum, pois alguns estados exigem inquérito policial para estatísticas, mesmo que sem autoria apurada, como é em Minas Gerais. Estes 100 inquéritos policiais sem autoria, raramente serão impugnados pelo Ministério Público.

Porém, restam ainda 200 inquéritos policiais para serem denunciados.  E este é o problema! Se serão 200 denúncias, ou seja, 200 novos processos, e há vagas apenas para 60 processos, o que fazer? A acomodação jurídica não se preocupa com a prescrição, e é comum processos serem julgados oito anos depois e já estando prescritos.

A criação tupiniquim, em 2008, de colocar o interrogatório depara depois da oitiva das testemunhas, agravou ainda mais o colapso, pois antes podia conseguir a confissão do acusado e dispensar as testemunhas. Agora, não se tem como dispensar as testemunhas, pois não se sabe se  o réu  irá confessar. Em suma, antes conseguia fazer umas sete audiências de instrução por dia, e agora a regra é três audiências.

Em tese, para o meio  jurídico, quanto mais processos, mais mercado de trabalho, independente do resultado. Por isto, muitos querem fazer “triagem” de processos, apenas depois do fim do processo, pois não reduz mercado de trabalho. Afinal, a “máquina judicial” já foi  movimentada. Nem há uma preocupação com estatísticas de prescrição, pois a sociedade ficaria aterrorizada com a ineficiência. Logo, a regra tem sido a flexibilização na execução penal e não na regra de instrução do processo penal. Não se flexibiliza no início do processo, mas apenas ao final, pois se fizerem o contrário, perde-se mercado de trabalho.

Não faz o menor sentido processar por crimes que já se sabe que serão no regime aberto e que por falta de vagas os apenados serão colocados em regime domiciliar. Logo, melhor já fazer acordo (que poderá ser recusado) para que fique no regime aberto domiciliar desde o início, mas se simplificar o processo, alguns setores jurídicos perdem volume de mercado de trabalho.

Há casos de promotores que autorizam prorrogação de inquéritos policiais para a polícia, várias vezes, sem ler, e apenas batendo carimbos de “concordo com a prorrogação”, nem fundamentam, embora o artigo 17 do CPP exija a fundamentação. Alegam que não têm tempo.

E cada vez mais alguns setores jurídicos criam mais burocracia, para que possam lucrar mais. Vejamos: o rito processual para se processar  por um “furtinho” e praticamente o mesmo que para processar por um roubo de quadrilha. E no “furtinho”, “furto privilegiado”, pode aplicar-se pena de 10 dias multa, 1/3 do salário mínimo, o qual nem pode ser convertido em prisão, se não for pago. Ou seja, uma multa de trânsito em valor bem maior é aplicada com rito bem mais simples.

Cada Vara Judicial custa, em média, R$ 1,5 milhão por ano, sem contar despesas com polícia, Ministério Público, advocacia pública e outros.

No Ministério Público criminal tem prevalecido o caos, pois há um promotor no flagrante, outro na denúncia, outro na audiência, outro no Júri (se for o caso),  e várias outras divisões, ou seja, não se tem unidade, nem uma diretriz para atuar no processo penal.

Nas reformas de lei o Legislativo ouve os ministros do Supremo Tribunal Federal, os quais têm notório saber jurídico, mas não fazem audiências criminais diariamente. Nem mesmo no caso do mensalão fizeram audiências, pois as oitivas de testemunhas e interrogatórios não foram feitos pelos ministros diretamente, mas por juízes designados.

Porém, pouco se discute sobre o sistema de justiça criminal, uma vez que há tendência de focar apenas em processos individualizados, como se o sistema criminal processual conseguisse absorver tudo e ainda promover a “cura social” que é a visão garantista, com forte viés de vitimização do criminoso, ou seja, um alinhamento com o pensamento de esquerda (vitimização e que a culpa está sempre no outro).

As varas criminais vão sendo sufocadas com atividades paralelas como medidas protetivas, medidas cautelares, e outras atribuições como  Lei Maria da Penha, mas não se coloca estrutura de pessoal. Isto tem transformado as varas criminais e promotorias criminais, como de passagem, pois ninguém quer ficar, e preferem ir para as cíveis quando surge uma vaga, exceto alguns heróis que permanecem.

Pouco se discute sobre soluções para o sistema com dados, nem mesmo analisa soluções em outros países, pois usam o argumento de que somos “um país único”, logo nada podemos copiar, e tudo temos que inventar, e sem pesquisar.

Cita-se como exemplo a audiência de custódia, não se pode denunciar, nem propor acordos penais, para agilizar a soltura e também compensar com a economia processual. A audiência de custódia passou apenas ter o objetivo de verificar o bem estar do preso, além de gerar mais despesas. Logo, o caos da pauta de audiências na seara criminal tende a aumentar com mais este ato. E isto aumenta os lucros de setores jurídicos, além de prescrições. Mas, pouco se fala sobre isto, pois a propaganda marqueteira impõe uma visão gramscista que inverte a percepção.

Qual o sentido de o Ministério  Público denunciar e iniciar processos se não há pauta de audiências? Temos casos de audiências sendo marcadas para dois, quatro anos depois, e outros casos “aguardando pauta”. Alguns dizem que não é problema deles. Ora, é problema de quem? É o membro do Ministério Público um agente político ou um mero servidor burocrata que trabalha de forma automatizada, sem preocupar com a eficiência?

Logo, precisamos discutir mecanismos para decidir como será a seleção e priorização de denúncia e/ou acordos penais, um tema pouco discutido no Brasil, mas que já está consolidado na Europa e nos demais países da América, os quais adotaram também acordos penais para delitos de média ofensividade, bem como transformaram pequenos furtos em ação penal privada (Portugal) ou em ação penal pública condicionada à representação da vítima. No Brasil, pequeno furto é mais grave do que lesão corporal, pois o primeiro é ação penal incondicionada, mas lesão corporal leve ou culposa (arrancar o braço de alguém sem querer em batida de trânsito) depende de representação da vítima.

No Brasil, a lei permite os acordos penais nos delitos de baixo e alto potencial ofensivo. Mas, nada fala sobre os de médio potencial. Ou seja, há uma lacuna legislativa.

Por: André Luis Alves de Melo -Fonte -Conjur

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