No direito penal brasileiro não são raras as situações em que as ações previstas nos tipos penais se entrelaçam, quer seja por conta da similitude dos procedimentos executórios, quer seja pela grande proximidade temporal entre as condutas. Nesse passo, a jurisprudência vem caminhando para a afirmação de um concurso real de crimes.

Já com relação às descrições penais dos crimes de roubo e de extorsão, objeto deste artigo, os normativos são tão parecidos, que normalmente, por descuido ou desatenção da defesa criminal, os réus de forma geral acabam sendo condenados por ambos os delitos quando a eles são imputados as práticas de ambos os delitos tipificados nos artigos 157, § 2º, inciso I e 158, § 3º, ambos do Código Penal, em concurso material de crimes.

A distinção, segundo a teoria tradicional de forma geral, repousa na centralização do foco punitivo, o qual recairia sobre o comportamento do agente ou sobre a conduta da vítima.

Ocorre que no caso do roubo, é a conduta do agente que se sobressai. A final, a subtração supõe o apossamento o qual é executado pelo autor.

 Nesse cenário, a vítima, rendida pela violência ou pela grave ameaça, assistiria a tomado de seu patrimônio. Já na extorsão, ainda que presente uma conduta do agente, esta se volta para forçar a vítima a realizar, também, um comportamento. Assim, na extorsão, a realização do ilícito dependeria igualmente, de uma espécie de “contribuição” do ofendido.

Nesse sentido, oportuno é o magistério de Nelson Hungria. E de forma análoga, leciona Cezar Roberto Bitencourt.

A diferença entre os elementos nucleares da formação penal típica dos crimes leva a uma distinção quanto aso momentos consumativos. No roubo, a consumação coincide com a lesão ao patrimônio. Na extorsão, basta a realização do constrangimento. De qualquer modo, não se trata de um crime contra a liberdade individual. Isso porque o agente deseja, com o constrangimento, obter uma vantagem econômica.

É, portanto, a vontade que leva a extorsão para o vasto campo dos crimes contra o patrimônio.

Os advogados criminalistas mais atentos devem combater os excessos do poder punitivo, missão que integra o pensamento penal clássico e contribui para melhor aplicação da justiça. 

O sistema jurídico-penal brasileiro não ficou imune a tal movimento. A atual ordem constitucional, por exemplo, foi prodigiosa ao elencar várias garantias que tocam o sistema penal. A inclusão destas no espaço internacional dos direitos humanos, por seu turno, é indicativa da existência de um padrão mínimo de direito e garantias delimitadoras do poder punitivo. Assim, os documentos internacionais atuam como cartas orientadoras da funcionalidade do sistema punitivo, endereçadas não só ao legislador, mas também aos seus operadores.

É em meio a este contexto que a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) consagrou a garantia do ne bis in idem (art. 8.4.d). Ainda que cunhado para afirmar a supremacia da coisa julgada absolutória, o dispositivo tem uma proteção mais abrangente, impedindo, assim, qualquer atividade persecutória dirigida à estabelecer uma dupla punição pelos mesmo fatos. Não seriam outras as razões que levam à proscrição da litispendência ou mesmo à consagração da coisa julgada, seja absolutória, seja condenatória.

Aliás, nem seria razoável imaginar que uma pessoa condenada pudesse ser novamente processada pelos mesmos fatos. Ou seja, a afirmação da coisa julgada absolutória contém, implicitamente, o reconhecimento da coisa julgada condenatória.

Assim, sem maiores delongas, mesmo que acusação alegue como normalmente o faz que ocorre concurso material entre ambos, pois, afinal os tipos penais são diversos, não se deve descuidar que ambos tutelam o patrimônio; e, é nesse cenário que prevalece o interesse do legislador, mesmo em terreno onde se note circunstâncias de interesses e valores assecuratórios diversos, ainda sim, a tutela patrimonial deve prevalecer.

Logo, não é razoável aceitar dúplice punição quando os bens jurídicos são rigorosamente os mesmos, pois, normalmente o ataque ocorre por um único ato do agressor, devendo prevalecer para todos os efeitos penais o crime de roubo.

enderson midía– Advogado especialista na área criminal  

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