Os policiais militares que haviam sido condenados pelo massacre do Carandiru tiveram seus direitos humanos violados, uma vez que suas condutas não foram individualizadas pela acusação e o comandante da ação que resultou na tragédia foi absolvido.
A opinião é dos advogados que compõem a Comissão Permanente de Estudos de Direitos Humanos do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp). O órgão aprovou parecer segundo o qual não é possível punir os agentes de segurança pública acusados de matar 111 presos em 2 de outubro de 1992.
Com 14 votos a favor do parecer e duas abstenções, os advogados afirmam que não há como condenar os 73 policiais acusados — três deles já inocentados — sem individualizar a conduta de cada um, pois isso afrontaria o contraditório, a plenitude de defesa e o devido processo legal.
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“A violação de direitos humanos das vítimas do ‘massacre do Carandiru’ não pode justificar a violação aos direitos humanos destas dezenas de policiais militares, na medida em que, subordinados à hierarquia e disciplina militar”, diz a comissão do Iasp, presidida pelo advogado Ricardo Sayeg.
O colegiado também alega que o comando da operação não foi punido pelas condutas. O comandante da operação no dia da rebelião, o coronel Ubiratan Guimarães, morto em 2006, foi condenado a 623 anos de prisão, mas depois absolvido das acusações sob o argumento de que estava cumprindo seu dever funcional.
Apoio a Sartori
O texto fala especificamente sobre a conduta dos desembargador Ivan Sartori, que foi o relator do recurso dos policiais militares no Tribunal de Justiça de São Paulo. O julgador votou pela absolvição dos 73 PMs, mas não foi acompanhado pela 4ª Câmara Criminal do TJ-SP, que acabou decidindo pela anulação dos julgamentos de primeira instância que condenaram os PMs por falta de individualização das condutas.
Jorge Rosenberg
À época, as críticas a Sartori foram tantas que ele se manifestou em seu perfil no Facebook contra reportagens de jornais sobre o caso. Também participou do noticiário matinal da rádio Jovem Pan, onde discutiu com um dos apresentadores do programa.
Porém, para a Comissão do Iasp, o desembargador cumpriu com seu dever como julgador, que é respeitar o devido processo legal e o contraditório. “O desembargador Ivan Sartori tem o nosso apoio, tendo em vista que, diante de um julgamento tão espinhoso, foi incorruptível em face do previsível desgaste público decorrente da absolvição dos militares que participaram do abominável ‘massacre do Carandiru’.”
Operação desastrosa
Ao analisar a operação, os advogados a classificaram como desastrosa, destacando que os policiais se movimentavam pelo prédio “tresloucadamente”, em uma “verdadeira ação bélica”, sem conhecimento das dependências do Pavilhão 9 (onde ocorreu a rebelião) ou qualquer tipo de estratégia.
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Enquanto a PM entrava no prédio, os presos colocaram faixas nas janelas informando que pretendiam manter a paz com os agentes e jogaram as armas no pátio externo para sinalizar que não resistiriam.
O grupo de advogados também diz que a ação foi “absurda e ilegal”, pois as prisões daqueles que estavam presos no Carandiru foram “substituídas” por pena de morte. Participaram da invasão ao presídio vários grupamentos da Polícia Militar de São Paulo, entre eles: Gate, COE, Batalhão de Choque, Canil, Rota e Rocam.
“Iniciadas as execuções, os crimes não se consumaram por circunstâncias alheias à vontade dos agentes, ou seja, em razão da reduzida visibilidade do local e da própria sobrevivência das vítimas”, afirma a comissão de Direitos Humanos do Iasp. “Houve detentos que se deitaram sob outros, mortos, iludindo os policiais e conseguindo, assim, sobreviver”, complementam, lembrando que não foram encontrados indícios de tiros em direção aos policiais que faziam a varredura no presídio.
Não institucional
Votaram a favor do parecer na comissão do Iasp os advogados: Ércules Matos, Eugênio Proença, Eveline Gonçalves, Gisele dos Santos, José Almor, Leandro Ramos, Márcio Sayeg, Marcos Rosário, Oswaldo Zago, Renato Artero, Renan Perrotti, Roberto Parentoni, Rodrigo Venturole e Sueli Amoeda. Se abstiveram: José Freire e Rafael de Azevedo.
O presidente do Iasp, José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro, afirma que o parecer não retrata a posição institucional da entidade, mas apenas da Comissão de Direitos Humanos. “Esses casos que envolvem detalhes fáticos, que não acabam sendo objeto de manifestação pelo Instituto, que trata de teses”, diz o advogado.