O USO DE DROGAS E A INEXISTÊNCIA PENAL DE CRITÉRIOS OBJETIVOS ENTRE TRAFICANTES PEQUENOS, GRANDES E USUÁRIOS.

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Os núcleos penais que comandam o crime de tráfico de drogas estão demasiadamente longe de trazer segurança jurídica; Mais do que isso, sequer tem condições de garantir ao cidadão análise perfeita de sua conduta criminal e principalmente aplicação de punição adequada.

Segundo dispõe o Art. 28. Da Lei 11.343/2006: Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 2o  Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

De outro norte, dispõe o Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Infelizmente apesar da Lei, não existe regra de distinção, cuja a interpretação adequada é feita pelo Magistrado com muitos esforços já que de alguma forma tenta privilegiar, no caso concreto, a presença de dano ao bem jurídico protegido pela norma –que no caso é a saúde pública –como condição para adequação típica.

Mas como não haveria de ser a ausência de critérios objetivos dentro do contexto geral prejudica maciçamente os usuários que são postos a margem de um tratamento Humanitário; ou seja, o Estado ao invés de amenizar os danos os potencializa de uma forma irrecuperável.

A exemplo: Há usuários que se satisfazem com apenas 5 gramas diárias, outros; com 100 gramas por semana. Alguns diariamente adquirem a quantidade do entorpecente que faram uso. Outros; para não se exporem demais com os traficantes adquirem de uma só vez a quantidade necessária para uso semanal e até mensal. Alguns possuem condições financeiras privilegiadas, outros de miserabilidade. Portanto, se flagrados nestas condições, seriam eles traficantes? Obviamente que não, mas na prática são tratados como traficantes e com boas chances de serem condenados criminalmente.

Não se visa aqui à proteção do traficante seja ele pequeno ou grande já que pela legislação atual também são tratados do mesmo modo, esses na maioria das vezes se utilizam da camuflagem por intermédio de vários “laranjas” ou “mulas” para traficarem em pequenas quantidades já que ao da mesmo forma o procedimento ao final sempre lhe é vantajoso.

Desse modo, deve-se buscar também critérios objetivos para à quantidade de drogas, como se vê em outros países.

Objetiva-se com esse relato contextualizar a situação dos acusados como pequeno recorte de uma realidade muito mais complexa, permeada por dois fatores que têm conduzido, em muitos casos, a resultados claramente não condizentes com o princípio da proporcionalidade: a) a ausência de critérios objetivos de distinção entre traficantes e usuários; b) a elevada seletividade do sistema penal nesse campo, porquanto assentado, no tocante à distinção entre traficante e usuário, quase que exclusivamente na atuação discricionária da autoridade policial.

A autuação de qualquer um deles como usuário ou traficante lamentavelmente vai depender de como a polícia irá proceder no caso concreto, pois qualquer dessas pessoas seguramente trazem algumas porções de droga no bolso e também dinheiro, seja para comprar pequenas quantidades, seja como resultado de pequenas vendas. Os exemplos retratam, na verdade, típica situação fática de grande parte das condenações de pessoas presas em flagrante na posse de entorpecentes, conforme expressivo estudo sobre o tema (Tráfico e Constituição: um estudo sobre a atuação da justiça criminal do Rio de Janeiro e de Brasília no crime de tráfico de drogas, in Revista Jurídica, Brasília, v. 11, n. 94, 1-29, jun/set 2009, publicação quadrimestral da Presidência da República).

Segundo a pesquisa, na qual foram examinadas 730 sentenças condenatórias pelo crime de tráfico de entorpecentes no período de outubro de 2006 a maio de 2008, por volta de 80% das condenações decorreram de prisões em flagrante, na maioria das vezes realizada pela polícia em abordagem de suspeitos na rua, geralmente sozinhos (cerca de 60% dos casos) e com pequena quantidade de droga (inferiores a 100g).

O padrão de abordagem é quase sempre o mesmo: atitude suspeita, busca pessoal, pequena quantidade de droga no bolso e alguma quantia em dinheiro. Daí pra frente, o sistema repressivo passa a funcionar dependendo do que o policial relatar no auto de flagrante, já que a sua palavra será, na maioria das vezes, a única prova contra o acusado.

Novamente, não se está aqui a afirmar que a palavra de policiais não mereça crédito. O que se critica é deixar exclusivamente com a autoridade policial, diante da ausência de critérios objetivos de distinção entre usuário e traficante, a definição de quem será levado ao sistema de Justiça como traficante, dependendo dos elementos que o policial levar em conta na abordagem de cada suspeito.

À luz dessas considerações, resta suficientemente claro que nesses casos devem os advogados criminalistas levantar teses quanto à atipicidade da conduta que sutilmente está intimamente imbricada entre as normas; ao qual a nosso ver, deve haver mais participação do Ministério Público sobre o controle externo da atividade policial (art. 129, VII) quanto à “natureza e à quantidade da substância apreendida, o local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente, dados expressamente indicados no art. 28§ 2º, da Lei11.343/2006 como critérios de distinção entre traficante e usuário.